terça-feira, 8 de julho de 2014

11º dia: Peniche - Ericeira

Dia 11 - Peniche - Ericeira
Total do dia: 52,9 km (+ cerca de 8 km depois de relógio pifado)
Horas a pedalar: 3h 56 min
Total km acumulados: 485,4 km
Total horas a pedalar: 35h 22 min

Nós estávamos cheios de pressa para chegar a casa e gozar de dois dias de descanso bem merecido, após 11 sem nenhum descanso. Por isso decidimos que em vez de fazer 25+30 em dois dias iríamos fazer o último sacrifício e pedalar quase 60 km ao 11º dia. Pois se no dia anterior tínhamos feito o mesmo e não tinha sido tão mau...!
Pobres almas ingénuas.
O 11º dia deu cabo de nós. Mas mesmo. O joelho doeu em cada subida, a minha anca, quase curada do massacre da meia-maratona em março, voltou a informar que ainda lá está e para eu ter juízo. As pernas hoje parecem dois blocos de granito, sem ligeireza ou flexibilidade nenhuma. E o cansaço geral, senhores. Cansaço em todo o corpo, cansaço que nem dá para dizer exatamente onde é.
Lembram-se desta felicidade?


Pois, bem-vindos ao Oeste, o ©@+@!#o.



O dia até começou mesmo muito bem, com o sol a bater na tenda e a promessa de início de dias melhorzitos. Ainda deu para uma partida de snooker na sala de convívio do campismo antes de partirmos para a Praia da Consolação para o almoço. Foram pouco mais de 4 km até à praia das minhas férias de infância, onde já não ia há uns bons anos e que está tal como a lembrava.



Tinha-me esquecido da vista maravilhosa de Peniche desde a Praia Grande, e das Berlengas ao fundo.


As fotos mal lhe fazem justiça.

  
Por volta das 15h, foi hora de nos fazermos à estrada para os cerca de 50 km que faltavam.




O gráfico da altimetria acima dá uma ideia do que sofremos da Consolação ao Barril. Ainda não tínhamos tido o tipo de subidas que apanhámos no caminho até à Ericeira. Eram daquelas que não acabam, cheias de curvas, e que ao dobrar uma curva se vê que a porra do caminho continua a subir, e que no final há uma pequenina reta plana mas só como prelúdio de nova subida. Mas bom, nós estávamos frescos, tínhamos dormido bem (não choveu!) e por isso iamos andando sem grande drama.
As paisagens que apanhámos, essas, foram deslumbrantes.



Desta vez descobrimos como meter GPS do telemóvel a calcular caminho para peões, daí que tivemos uma rota muito er..., interessante, por caminhos de terra batida e cheios de gravilha. Se não caímos nem furámos pneus aqui, acho que estamos safos para o resto da viagem.



Aqui já a chegar a Santa Rita, numa das partes mais agradáveis do trajeto, e a única onde apanhámos ciclovia.



A chegar a Santa Cruz, na única ciclovia do caminho, do Porto Novo a Santa Cruz.

Reiterar mais uma vez que as estradas da região Oeste estão a ser as piores para ciclar: estradas estreitas, de curvas acentuadas e sem bermas, fazem com que a experiência de pedalar não seja sentida tanto como passeio como o era no norte. É mais fácil aqui sentirmo-nos a mais na estrada, especialmente porque os carros têm sempre que esperar para nos ultrapassar.


Ainda assim, isto é que é o verdadeiro "bicicleta pela costa" :)
Na Silveira tivemos a grande surpresa de encontrar o meu tio, que por acaso ali passava na altura. No meio da festa que fizemos os três ainda houve convite para nos levar de boleia o resto do caminho, que, confiantes, recusámos. "Agora já só faltam 20 km, está mesmo quase!"
Se soubéssemos o que nos esperava, acho que tínhamos considerado a oferta muito mais seriamente.
O que é mais estranho é que os 20 km que faltavam eram os 20 km que melhor conhecíamos. Mas pelos vistos passar centenas de vezes por um sítio de carro não serve para afigurar o que custa passar nesse sítio de bicicleta. É a única razão para que nem eu nem o Diogo estivéssemos preparados mentalmente para o que nos esperava.
Começou logo entre a Coutada e S. Pedro da Cadeira, no cruzamento em que se escolhe inequivocamente a direção "Ericeira". Começa logo com uma subida que me tirou a respiração assim que a vi. De onde é que tu apareceste que eu nunca tinha reparado em ti?! Maldita memória.

E depois nunca mais acaba, até ao Barril. É um seguimento de subidas que nos faz soltar gemidos tipo animaizinhos feridos, e palavrões como taberneiros do norte. Acho que nunca devo ter soltado tanto palavrão na minha vida, daqueles mesmo sentidos e cheios de desespero.
No Barril pensávamos que o calvário já estava próximo do fim, que faltava só a subida até Ribamar e depois a temível Ribeira d'Ilhas. Eram duas subidas fortes mas, depois do que já tínhamos aguentado durante o dia, não seriam nada de outro mundo. Isto pensei eu, menina ingénua.
Parámos para uma sandes de queijo e um descansozinho breve. Já eram 19h e tal, queríamos chegar a casa a tempo do jantar.




Afinal a subida de S. Lourenço a Ribamar foi um inferno. Tem tudo o que uma subida infernal tem: primeiro desce-se tudo o que há para descer, confirmando que tudo o que subimos até ali não serviu rigorosamente para nada e há que voltar a subir tudo outra vez, é cheia de curvas extremamente acentuadas, sem berma, e que faz com que a subida tenha que ser feita quase toda de uma vez, sem vacilar, sob pena de se levar com um carro mais selvagem que apareça e só nos veja tarde demais. Pior: é daquelas subidas que parece que o final é ali mas depois afinal não é, e isto várias vezes. Os gemidos de animal ferido foram muitos.


A reta antes da subida para Ribamar, a chegar a S. Lourenço.




A praia de S. Lourenço, uma das paisagens mais deslumbrantes que tivemos até aqui. Parece que há uma correlação positiva qualquer entre deslumbramento da paisagem e o esforço para lá chegar.



Em Ribamar, o meu relógio ficou sem bateria. Como queríamos registar pelo menos a subida da Ribeira d'Ilhas e a chegada à Ericeira, parámos uns 5 minutos para o carregar através do tablet. E faço aqui também um parênteses de 5 minutos para falar do "don't give a fuck" que esta viagem nos está a fazer adquirir. É o não se ralar, em bom português, com o que as outras pessoas pensam. É andar o dia todo de calções almofadados de licra e ir a restaurantes assim, é ter o bronze à camionista e não querer saber, é parar à beira da estrada e fazer a sandes com queijo e comê-la em cima da bicicleta ou sentados no passeio, com os carros e peões a passar, é andar suado nestas andanças todas e não se sentir minimamente culpado, é ter as mesmas calças para vestir todos os dias a seguir ao banho do final do dia, é ter 2 t-shirts por onde escolher ou vestir roupa interior meio húmida porque não há mais e esta ainda não teve tempo para secar. É o que se pode chamar "living rough" e eu pensei que seria muito mais difícil do que está a ser. Faz bem à alma de vez em quando viver com - e precisar de - tão pouco.
Quanto à Ribeira d'Ilhas, era tão má como sempre nos assomou, sim. Íngreme como só ela, com uma descida antes que muito infelizmente não dá para ganhar balanço nenhum porque existe uma curva acentuada antes de se começar a subir, logo a pique. O Diogo, contra todas as probabilidades, e já com 50 km nas pernas, consegiu subi-la todinha em cima do selim. É digno de lhe entrar para o CV. Eu tentei. Rapidamente o meu corpo me gritou um "NÃO, JÁ CHEGA" com tanta força e tão inequivocamente que eu respeitei-o e desci do selim. Levei a bicicleta à mão até lá acima, onde sabia que pelo menos nos esperava uma vista de tirar o fôlego e o final das subidas infernais para o dia 11.


A vista no topo da Ribeira d'Ilhas e o sol quase a pôr-se.


A vista magnífica da Ericeira e de uma parte considerável da costa que se segue.

Ainda nos faltavam 8 km até casa, que sabíamos não serem a descer - pelo contrário - e que a saída da Ericeira ainda nos ia fazer suar bem. Escolhemos a ida pela via rápida, por ter uma subida prolongada mas menos íngreme do que a montanha-russa que é a entrada e saída da Ericeira por esta parte. Recusei ir comer a melhor waffle do mundo, uma iguaria que só existe em julho e agosto, nas arribas da praia dos Pescadores na Ericeira, e pela qual sonho o ano inteiro (inclusive quando vivia na terra das waffles). Acho que só esta recusa espelha bem o estado em que estava neste ponto da viagem, em que já tudo me era indiferente, menos o cansaço tão grande que sentia e os 8 km que ainda nos separavam de casa. 
Foram os 8 km mais longos de sempre. Nunca estive tão cansada na minha vida. Ainda passámos pela minha mãe à saída da Ericeira, que parou à beira da estrada e ficou louca de alegria por já estarmos a chegar a casa, e fomos escoltados pelo meu pai no último km e meio, que veio ao nosso encontro de bicicleta, também ele felicíssimo por termos conseguido chegar a casa. Chegámos eram 21h, recebidos pela minha prima em jeito de claque de apoio, e mal conseguíamos pensar direito quando desmontámos. Os 4 degraus no jardim em que soltámos mais gritinhos de animais feridos, banho, jantar, sofá, cama. Foi este o resumo do resto da noite.
Dois dias de não fazer nada nos esperam. Entretanto, chegámos ao distrito de Lisboa.




S.

4 comentários:

  1. também conheço muito bem todas essas praias de que falaste e inclusivamente já passeei várias vezes por várias dessas arribas.
    É claro que nunca me passou pela cabeça o esforço que é preciso para as fazer de bicicleta. E também nunca vou descobrir o sentimento maravilhoso de conquista que deve ser depois de vencer todas essas subidas às curvas.
    Mas fico mesmo contente por ler estas palavras em que se nota tanto esse sentimento de conquista!
    Bom descanso e força para o resto!

    :D

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    1. Nunca se diz nunca...! se me dissessem há um ano que ia andar a fazer Ribeira d'Ilhas e afins de bicicleta também me ia desatar a rir :) Mas sim, a zona da Lourinhã à Ericeira tem paisagens de cortar o fôlego!

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  2. Vocês são s maiores! E agora vão lá comer qualquer coisa mais consistente do que sandes de queijo :)

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    1. Haha, em nossa defesa gastronómica devo dizer que as sandes de queijo são os nossos lanches apressados, a fome aos almoços e jantares não dá para matar com pão e queijo!

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